Editado por Jennifer Them

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  • Junho 10, 2018
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A Hipótese do Cérebro Entrópico, apresentada por Robin Carhart-Harris et al. em 2014, é um modelo de consciência baseado em investigação recente a partir do uso de imagiologia cerebral com psilocibina. A psilocibina é o principal ingrediente psicoativo nos cogumelos alucinogénios não-muscarínicos. Este químico é bem conhecido por induzir alterações na própria natureza da consciência, e segundo Carhart-Harris, isto deve-se a uma mudança fundamental e temporária na função do próprio cérebro – dum estado a que este chama de consciência “secundária” (o agente consciente que raciocina, planeia e estrutura coisas) para a consciência “primária” (a antiga e caótica consciência que é análoga aos estados oníricos).1 Segundo Carhart-Harris, tal como a matéria se torna menos ou mais ordenada à medida que muda de estado, também os estados mentais sofrem alterações baseadas na estrutura geral do cérebro, sendo ambos os extremos do espectro entrópico instáveis a longo prazo – como um balão que rebenta ou esvazia.

O que é Entropia

Entropia é um termo geralmente associado à física, especificamente à segunda lei da termodinâmica, a qual declara que num sistema fechado (do qual não sai matéria ou energia) as estruturas vão-se tornando gradualmente mais desorganizadas até ser alcançado equilíbrio. Tendo em conta o objectivo desta publicação, podemos referir que a entropia é essencialmente uma medida de estrutura: se a Grande Pirâmide de Gizé representa um estado de baixa entropia, então uma pilha de rochas seria um exemplo de alta entropia. Empilhar essas rochas sob a forma de uma pirâmide diminuiria a entropia das rochas, mas se pensarmos num sistema mais alargado, o mundo, a entropia aumentaria devido à energia gasta em forma de calor no processo de empilhamento. É por isso que a entropia tem frequentemente uma conotação negativa: de acordo com as leis da física, tudo acabará por ser desfeito, e o caos “vencerá”. Isto é uma chatice – mas não é a história completa.

O Modelo do Cérebro Entrópico

A hipótese do cérebro entrópico é um modelo de função cerebral que postula uma relação entre entropia total no cérebro e estados psicológicos de longa duração, particularmente condições patológicas tais como esquizofrenia e perturbação obsessiva-compulsiva (POC). O cérebro humano, no seu estado basal, tende a operar imediatamente abaixo de um estado de crítico. A criticidade é um estado de comportamento complexo num sistema que pode variar entre estados de ordem pura e estados aleatórios puros.2 Por outras palavras, as nossas mentes são ordenadas apenas o suficiente para fazer aquilo de que precisamos regularmente (na vida quotidiana, isto normalmente manifesta-se nos nossos hábitos), sendo ao mesmo tempo suficientemente flexíveis para passar no teste de realidade. Por outras palavras, mantêm a capacidade de resposta a situações novas e inovadoras através da informação do mundo exterior.

Pequenas flutuações na entropia cerebral são naturais, mas de acordo com o modelo de Carhart-Harris, muitos estados de consciência podem ser classificados como de “baixa entropia” ou de “alta entropia”. Os resultados de imagiologia por ressonância magnética funcional sugerem que a psilocibina, de uma forma geral, aumenta as ligações nas áreas corticais de associação, desorganizando assim a atividade cerebral. Muitos dos estados que afetam o córtex temporal medial de forma semelhante – desde o sono REM até episódios psicóticos agudos – adquirem provavelmente as suas características subjetivas da mesma forma. Assim, poder-se-ia argumentar que os estados que exibem uma menor ligação cortical estariam associados a pensamentos e comportamentos mais rígidos, algo que podemos ver em condições como a perturbação depressiva, a perturbação de adição, e a  POC.

As Repercussões

Estas perturbações são caracterizadas por um comportamento repetitivo e condicionado, que a pessoa em questão sente sem poder para mudar. Quer este comportamento seja uma ruminação constante sobre a desesperança na vida, o abuso de drogas, ou a lavagem compulsiva das mãos, é condicionado, inflexível e rígido. Não é de admirar, portanto, que um aumento temporário e extremo da entropia cerebral possa ser útil para pessoas que sofrem destas condições, permitindo-lhes que formem novas associações.

Isto é concordante com investigações recentes que sugerem que as substâncias psicadélicas são eficazes no tratamento destas condições.3,4 Estas tendem também a ter um impacto profundo em traços de personalidade relacionados com a “abertura”, embora a mudança radical de personalidade em adultos seja normalmente rara.5 Verificou-se também que a cafeína aumenta a entropia no cérebro em menor grau,6 talvez explicando porque algumas pessoas recorrem ao café para criar novos hábitos ou para brainstorm. Em contrapartida, as drogas que tendem a diminuir a entropia cerebral, como o álcool e a nicotina,7 têm uma incidência muito maior de abuso em pessoas que sofrem de esquizofrenia,8 uma desordem que partilha muitas características com estados de alta entropia e de consciência primária.

Poderemos usar a entropia cerebral como marcador para determinar a probabilidade de desenvolver certas síndromes ou padrões de comportamento, e, em conformidade, ajustar a criticidade do sistema? Que dizer dos métodos não farmacológicos de acesso a estados alterados, tais como meditação ou kundalini yoga, que com base em observações informais, podem desencadear estados psicadélicos? Como é que as pessoas podem fazer uso destas técnicas para fins terapêuticos? Ainda não há ciência disponível!

Entropia no Cérebro

Mas como é que tudo isto acontece? Os neurocientistas isolaram duas redes principais no cérebro: a task-positive network (TPN) associada (como o nome indica) à atividade e à ação, e a default mode network (DMN), associada a estados de repouso e à manutenção da coerência do ego, ou self, quando não se está envolvido em tarefas de forma ativa. Estas redes são constituídas por muitas áreas diferentes do cérebro, porém estão inversamente associadas: quanto mais ativa estiver uma delas, menor a atividade na outra.

O córtex temporal medial, que contribui para a função da DMN, parece ser crucial para manter o significado do self e a continuidade que estas redes normalmente conferem. Quando a sua função é perturbada, o que parece acontecer sob a influência da maioria das substâncias psicadélicas clássicas, as redes dissociam-se, causando perturbações na interpretação subjetiva de fenómenos externos e internos. Este parece ser provavelmente o mecanismo por detrás do que é comummente conhecido como “morte do ego”(“ego death”) ou “dissolução do ego” – o sentimento de “unidade com o universo” ou “perda do self” que muitas pessoas relatam ter experimentado sob a influência de substâncias psicadélicas e algumas outras drogas psicoativas.9,10

Figura  1, “Spectrum of Cognitive States”. Carhart-Harris, 2014.

Conclusão

“Entropia é o preço da estrutura” – Ilya Prigogine

Se a quantidade de flexibilidade e conectividade no cérebro estiver de facto associada à capacidade de criar ou quebrar novos hábitos, então temos claramente um enquadramento que explique a razão pela qual as substâncias psicoativas tendem a afetar a psicologia humana de formas previsíveis. A entropia é mais do que apenas “desordem” ou “caos”. Embora estas sejam metáforas úteis que captam alguns dos aspetos da entropia (tais como a quebra de estruturas e rigidez), têm conotações negativas e normativas que retiram o significado geral da entropia na matemática e na física: um aumento de possibilidades. A passagem de matéria de um estado sólido para um estado gasoso representa um aumento de entropia porque, à medida que as partículas se expandem, podem ser encontradas em mais posições.

Será que as pessoas sentem a necessidade de se automedicarem com substâncias, como o álcool e os cigarros no caso de esquizofrenia ou alucinógenos no caso da depressão e a adição, de modo a permitir, inconscientemente, mudanças dentro da sua própria entropia cerebral? Podemos replicar as qualidades indutoras de entropia das substâncias psicadélicas e recolher os seus benefícios com métodos não-farmacológicos e não-invasivos? Poderemos até fazer o oposto, e tratar a esquizofrenia através da redução de entropia? Pelo menos, no âmbito deste modelo, obtemos uma compreensão de como o reajustamento de estados mal adaptativos, na direção oposta, pode ser terapêutico, e como o cérebro pode efetivamente mudar.

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Referências:

1. Carhart-Harris, R., Leech, R., Hellyer, P., Shanahan, M., Feilding, S., Tagliazucchi, E., Chialvo D., and Nutt, D. (2014). The entropic brain: a theory of conscious states informed by neuroimaging research with psychedelic drugs. Frontiers in Human Neuroscience.

2. Beggs, J., Timme, N. (2012) Being Critical of Criticality in the Brain. Frontiers in Psychology 3(163).

3. Krebs, T., Johanson, P. (2012) Lysergic Acid Diethylamide (LSD) for alcoholism: Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Journal of Psychopharmocology. 26(7):994-1002

4. Thomas, K. Malcolm, B.,Lastra, D. (2017) Psilocybin-Assisted Therapy: A Review of a Novel Treatment for Psychiatric Disorders. Journal of Psychoactive Drugs.

5. MacLean, K. A., Johnson, M. W., and Griffiths, R. R. (2011). Mystical experiences occasioned by the hallucinogen psilocybin lead to increases in the personality domain of openness. Journal of Psychopharmacology. 25, 1453–1461.

6. Chang, D., Song, D., Zhang, J., Shang, Y., Ge, Q. & Wang, Z. (2017). Caffeine Caused a Widespread Increase of Resting Brain Entropy. Scientific Reports 8.

7. Fedota, J., and Stein, E. (2015). Resting‐state functional connectivity and nicotine addiction: prospects for biomarker development (2015) Annals of the New York Academy of Sciences. 1349, 64-82.

8. Özçetin, A., Turan, F., Sayar, G. (2014). Nicotine And Alcohol Dependence In Schizophrenia. Mini Review 1, 47-49.

9. Lebedev, A., Kaelen, M., Lovden , M., Nilsson, J., Feilding, A., Nutt, D., Carhart-Harris, R. (2016) LSD-Induced Entropic Brain Activity Predicts Subsequent Personality Change. Mapping the Human Brain 37(9): 3203-3213.

10. Taggliazuchi, L., Mendel, K., Nutt, D. (2016) Increased Global Functional Connectivity Correlates with LSD-Induced Ego Dissolution. Current Biology 26, 1-8.

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