Perspective
Consciousness Research Philosophy & Consciousness


A Microdosagem De Lsd Influencia A Perceçao Do Tempo?

Dr. Devin Terhune Entrevistado Por Lukas Basedow, M.Sc.

Traduzido Joao Cardoso, Editado Por Joana Miranda

O Artigo Discutido Nesta Entrevista É O Seguinte:

Yanakieva, S., Polychroni, N., Family, N. et al. The effects of microdose LSD on time perception: a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Psychopharmacology 236, 1159–1170 (2019). doi.org/10.1007/s00213-018-5119-x

Lukas: Pode-me dizer o que o levou a estudar os estados alterados de consciência, como a sinestesia, hipnose ou a experiência psicadélica?

Devin: Acho que o ponto de partida foi durante o meu curso, quando iniciei o meu interesse por alucinações, particularmente em populações não clínicas. Tive a sorte de frequentar uma formação em hipnose com uma pessoa realmente excelente, Jean-Roch Laurence.1 Estudei sugestionabilidade e alucinações durante o meu mestrado e, de seguida, foquei o meu doutoramento na neurociência cognitiva da hipnose. Sempre me interessei por vários outros aspetos de estados alterados e experiências não normativas, por isso fiz um pouco de pesquisa sobre sinestesia durante o meu doutoramento. Tornei-me um investigador em Oxford, sendo que o foco lá era em hipnose e sinestesia, porém sempre me interessei pela perceção do tempo. Sinto que a perceção do tempo é uma característica realmente fundamental da experiência consciente.

A minha formação foi em filosofia e um dos meus filósofos favoritos, de entre todos, foi Martin Heidegger. Heidegger escreveu, na minha opinião, um dos textos filosóficos mais brilhantes de todos os tempos, “Ser e Tempo”, no qual ele basicamente apresenta uma série de argumentos fundamentais sobre como o tempo é essencial para a experiência humana. Isso foi algo que se manteve sempre comigo, e durante o período da minha bolsa de investigação de pós-doutoramento, comecei a trabalhar mais em perceção do tempo e afastei-me um pouco da investigação da sinestesia.

Interessei-me por substâncias psicadélicas principalmente pelo interesse na sinestesia. Mais tarde, fui contatado pelo grupo que conduzia este estudo de microdosagem para ser consultor num determinado aspeto do estudo. Perguntei se haveria alguma oportunidade de incluir um teste de perceção do tempo diretamente inspirado pelo belo estudo clássico de Marc Wittmann,4 que mostrou que a psilocibina conduz a uma tendência para os indivíduos sub-reproduzirem intervalos temporais num teste de reprodução temporal. Este foi o ponto de partida deste estudo específico e foi assim que tudo se conjugou .

Lukas: Perfeito. Poderia fazer um breve resumo do estudo e explicar aos nossos leitores as suas principais descobertas?

Devin: Claro! Portanto, com base nos dados de Marc,2 tínhamos provas bastante sólidas de que a psilocibina leva à sub-reprodução dos intervalos temporais, particularmente os mais longos, contudo estávamos interessados ​​em saber se esse efeito permaneceria com a microdosagem.

Portanto, estávamos interessados especificamente ​​em saber se os efeitos da psilocibina no estudo de Marc são atribuíveis ao efeito neuroquímico direto na perceção do tempo, versus se a psilocibina desencadeia vários tipos de estados alterados de consciência, que, por sua vez, têm um efeito indireto ou uma subsequente repercussão no tempo da perceção. Basicamente, a questão é saber se os efeitos neuroquímicos são suficientemente fortes para provocar uma mudança na perceção do tempo, mesmo sem existir realmente alteração do estado de consciência.

No estudo, tivemos 48 participantes; eram idosos, que é um tipo de variável importante a ter em conta. Houve vários cenários: um de placebo e 3 com microdoses de 5, 10 e 20 microgramas de LSD. Quando os participantes completaram a tarefa, também lhes foi solicitado que completassem autorrelatos que mediram vários tipos de estados subjetivos. O que apurámos foi se eles sentiram algum tipo de efeito da substância, qualquer tipo de distorções da perceção, quaisquer pensamentos incomuns, qualquer experiência de sensação de euforia e se sentiram uma mudança na atenção.

O que os nossos resultados parecem sugerir é que os participantes tiveram a sensação de se sentirem um pouco diferente – como se estivessem a tomar consciência de algo . Mas não tiveram distorções percetivas ou pensamentos incomuns, não se sentiram alterados em si mesmos e não notaram nenhuma mudança na capacidade de atenção. Com base nisso, parece bastante claro que não há nenhum tipo de estado alterado de consciência pronunciado sob microdosagem.

O principal resultado que observámos para a tarefa de produção temporária foi o tempo médio da reprodução. Basicamente, por quanto tempo os participantes manteriam pressionada a barra de espaço após codificarem um intervalo de estímulo de um círculo que era apresentado no ecrã. Isto dá-nos uma ideia sobre o grau de sub-reprodução ou sobre-reprodução, o que, por sua vez, pode fornecer uma medida indireta de até que ponto eles subestimam ou sobrestimam o intervalo do estímulo. Usámos uma ampla gama de intervalos de 800 a 4.000 milissegundos. No seu estudo, Marc Wittman encontrou apenas efeitos a partir de cerca de 4.000 milissegundos. Nós descobrimos que, quando comparamos as três diferentes doses de LSD com o placebo, os participantes reproduzem os intervalos em excesso. Assim, manteriam pressionada a barra de espaço por mais tempo ao completar esta tarefa do que os participantes na condição de placebo.

Curiosamente, o efeito esteve presente apenas a partir dos 2.000 milissegundos. Agora, há uma série de maneiras diferentes de interpretar esses dados e devo dizer que não estou firmemente comprometido com qualquer interpretação em particular, uma vez que estamos no início da nossa compreensão desses efeitos. Na publicação, considerámos sucintamente uma série de possibilidades e sugerimos que, dado o timing em que os participantes receberam a dose, poderia ser um efeito dopaminérgico de fase tardia. Esta ideia é baseada em estudos com animais que sugerem que há uma fase inicial em que o LSD funciona como um agonista da serotonina e numa fase posterior onde funciona como um agonista da dopamina. Todavia, nunca estivemos completamente satisfeitos com essa interpretação.

Ao refletir um pouco mais sobre estes dados, comecei a pensar que estes resultados podem ser melhor compreendidos dentro do contexto dos modelos bayesianos de intervalo de temporização. Essencialmente, estes modelos estipulam que a nossa perceção do tempo surge de informações sensoriais acerca de um estímulo que é moldado em parte por perceções anteriores, que formamos a partir dos dados do nosso ambiente. A extensão em que o prévio influencia a nossa perceção é chamada de “ponderação prévia”. A ponderação ou redução do peso anterior será maior em certos indivíduos ou pode divergir entre contextos, estados psicadélicos e assim por diante.

A ponderação prévia, de maneira mais geral, fornece uma explicação elegante sobre como as nossas expetativas podem frequentemente moldar a nossa perceção. Aplicado às tarefas de reprodução temporal, o prévio seria o intervalo médio do estímulo. Uma consequência interessante da ponderação prévia é que intervalos de estímulos mais longos são sub-reproduzidos porque o prévio aproxima o tempo de reprodução à média, enquanto intervalos mais curtos são sobre-reproduzidos, uma vez mais, aproximados à média. Este relato fornece uma explicação muito boa de um efeito clássico na literatura da perceção do tempo: a lei de Vierhordt, que diz que tendemos a sobre-reproduzir intervalos mais curtos e sub-reproduzir intervalos mais longos. Se aplicarmos este tipo de relato aos nossos dados, uma interpretação simples é que a microdosagem gerou uma tendência a diminuir o peso do estímulo prévio, ou seja, reduzir sua influência. Isto levou os participantes a sobre-reproduzir longos intervalos. Isto também pode explicar porque o efeito se restringe a intervalos maiores.

Se esta interpretação for verdadeira, a microdosagem também deve ter levado à sub-reprodução dos intervalos mais curtos. Curiosamente, houve uma tendência muito ténue para que isso ocorresse, embora não estivesse nem perto da significância estatística. O que torna esta interpretação ainda mais interessante é que ela se alinha muito bem com um modelo recente de substâncias psicadélicas de Carhart-Harris e Friston, o qual sugere que as substâncias psicadélicas produzem uma diminuição do peso dos estímulos prévios de alto nível.3 Para quem tenha interesse, apresentei esta nova interpretação de nossos dados na Breaking Convention em Agosto.

Lukas: Já mencionou o estudo de Marc Wittmann sobre a perceção do tempo e houve um outro estudo de Wackermann et al.4 que também citou. Nesse estudo, descobriram também sub-reprodução dos intervalos de tempo com uma dose muito baixa de psilocibina em comparação com placebo. Como é que isso se encaixa nos seus resultados mostrando uma sobre-reprodução com uma substância psicadélica de baixa dosagem?

Devin: Há um pouco de inconsistência entre os estudos. Eu não tenho nenhum receio de que possa ser um artefacto ou algo parecido. Em termos do porquê de haver uma discrepância: pode haver diferenças entre a psilocibina e o LSD, é claro. Acho que muitas pessoas simplesmente os colocam sempre no mesmo saco, e é algo para o qual precisamos de ter atenção. Outro argumento é, obviamente, o nível da dose e o quão comparáveis essas doses são entre as duas diferentes substâncias . A terceira seria a possibilidade de que pode haver fases diferentes com LSD, mas não com psilocibina. Por último, acredito que no caso deles, o teste foi realizado 60 a 90 minutos após a dose, enquanto que o nosso teste ocorreu quase três horas após a administração.

Lukas: Outra coisa que mencionou no seu artigo é que essa sobre-reprodução foi mais pronunciada na dose de 10 microgramas. Pode dizer-nos por que acha que esta dosagem produz o maior efeito?

Devin: Não gostaria de falar muito sobre isso para ser honesto. Uma vez mais, isso remete-nos de volta ao problema de que basicamente temos 12 participantes em cada uma das condições , o que é realmente muito bom para um estudo com substâncias psicadélicas, mas não é extremamente sensível. Não interpretaria exageradamente o facto de que os efeitos são mais pronunciados na condição de 10 microgramas.

Uma possibilidade é, como não temos avaliação do estado basal, acabamos aleatoriamente com algumas pessoas naquele grupo que têm uma tendência base para sobre-reproduzir e que começaram com valores maiores, então os efeitos do LSD são uniformes em todas as diferentes doses. Porque ao olharmos para esses números, o que acabamos por descobrir é que com os 20 microgramas tendiam a ser quase sempre mais elevados do que com os 5 microgramas, sugerindo alguns efeitos de dose ali. Mas eles podem ter sofrido alguma interferência por possíveis diferenças de base.

Se seguir o modelo bayesiano descrito acima, destacar os tempos de reprodução pode não ser a maneira mais proveitosa de examinar os dados. Em vez disso, de acordo com esse relato, com maior redução do peso anterior, esperaria que o declive dos tempos de reprodução se tornasse mais acentuado (novamente, refletindo sobre-reprodução dos intervalos mais longos e sub-reprodução dos intervalos mais curtos). Curiosamente, analisámos o declive dos tempos de reprodução e descobrimos que este era de facto mais acentuado na dose mais alta. Uma vez mais, devemos ter cuidado com os tamanhos das amostras, mas isso sugere que esta interpretação pode ser mais parcimoniosa.

Lukas: Como é que a realização desta experiência influenciou a sua opinião sobre a microdosagem como prática que supostamente induz todos os tipos de benefícios psicológicos?

Devin: Não acho que este estudo tenha verdadeiramente esclarecido a minha opinião sobre o assunto em si. Acho que fornece um bom ponto de partida para indicar que parece haver alguns efeitos sobre uma característica fundamental da consciência que é a perceção do tempo. No entanto, devemos ter cuidado porque a perceção do tempo está intrinsecamente ligada à atenção e à memória de trabalho e outros tipos de funções cognitivas essenciais, e é possível que esses efeitos sejam totalmente atribuíveis a mudanças na atenção ou na memória de trabalho . É teoricamente possível que estejamos basicamente modulando a atenção ou a memória de trabalho e isso tenha um tipo subsequente de efeitos que transita para a perceção do tempo.

Agora, em termos de microdosagem mais em geraLukas: provavelmente devido à minha formação em filosofia, sou por natureza uma pessoa muito cética sobre tudo o que ouço da ciência e sou constantemente bombardeado com afirmações fortes, o que me deixa bastante inquieto. Pessoalmente, não iria apenas começar a utilizar microdoses na esperança de aumentar minha criatividade ou cognição ou algo assim, sem qualquer tipo de base e evidências que comprovem isso.

Duvido que haja quaisquer efeitos negativos ou prejudiciais na microdosagem. Provavelmente será, na maior parte, inofensivo. Mas acho que as pessoas no geral deveriam ser mais céticas e não se juntar a qualquer movimento ou nova moda que surge quando há pouca base empírica para isso. Como cientista, tento basear as minhas decisões nas evidências empíricas que existem, e o que posso dizer é que acho que a microdosagem é suficientemente interessante do ponto de vista terapêutico e cognitivo para conduzir pesquisas mais multifacetadas.

Estou seguramente animado por ver mais pesquisa e espero poder estar envolvido em alguma dela, mas depende sempre do tipo de oportunidades que surjam. Espero que tenhamos a oportunidade de fazer mais pesquisas, quer em microdosagem, com doses acima do limiar, ou até mesmo com doses psicadélicas dessas substâncias.

Lukas: Se pudesse fazer o que quisesse, qual seria seu próximo projeto científico?

Devin: O estudo ideal que gostaria de fazer, se não houvesse limitações práticas, envolveria novamente uma tarefa de reprodução temporária. Faria com que os participantes concluíssem uma tarefa no seu estado basal e depois faria com que concluíssem a tarefa aproximadamente a cada, digamos, 45 minutos e que iria até cerca de pelo menos três ou quatro horas, para ver os efeitos aí. Mas também faria isso com múltiplas microdoses, bem como com doses psicadélicas, de modo a que possamos dissociar os efeitos da dosagem.

Além disso, faria uma investigação mais sistemática tendo em conta autorrelatos de estados alterados de consciência. A atenção é uma coisa; também não temos informação relativa à emoção. A emoção é conhecida por ter impacto na perceção do tempo, portanto, basicamente quando alguém está exultante, podem sentir que o tempo passa mais rápido e podem subestimar o tempo, enquanto se alguém está muito deprimido, o tempo tende a passar mais devagar. Provavelmente faria algumas perguntas sobre divagações mentais e dificuldades na atenção também. Se fizéssemos isso, poderíamos comparar microdoses versus doses psicadélicas e também seríamos capazes de explorar essas diferentes fases da substância e, potencialmente, seríamos capazes de dizer algo mais perspicaz e informativo sobre se há evidências robustas para essas diferentes fases ou não.

Além disso, as avaliações dos autorrelatos seriam capazes de nos dizer de forma mais sistemática até que ponto esses efeitos podem ser atribuídos a algum tipo de alteração da consciência. Estou bastante seguro de que eles não são atribuíveis a um estado alterado, mas não descartaria isso completamente porque nós só conseguimos avaliar algumas dimensões da experiência consciente. Os efeitos parecem ser independentes daqueles que conseguimos avaliar, mas é claro que não avaliamos tudo; portanto, há uma série de coisas que estão por explorar.

Lukas: Uma pergunta finaLukas: temos muitos alunos a ler o blog, pode-nos dar algum conselho para os que procuram trabalhar com estados alterados de consciência?

Devin: Ao trabalhar nestas áreas, acho que estão em desvantagem para conseguir um emprego e permanecer na área acadêmica, têm que compensar, talvez a publicar mais, e ter um pouco mais de sorte. No entanto, acho que tem tudo a ver com o supervisor e o meio em redor, portanto, qualquer pessoa que queira trabalhar nessas áreas deve saber identificar um supervisor entusiasta . Alguém que trabalhe na área e possa fornecer a orientação devida.

Também será importante fazer algumas pesquisas convencionais em paralelo às deste tipo de trabalho para se ter uma espécie de base adequada em outras áreas de pesquisa. O meu doutoramento foi em neurociência cognitiva na hipnose, mas nesse contexto fiz muitos trabalhos sobre funcionamento executivo e controlo cognitivo e muito do trabalho que faço sobre perceção de tempo está relacionado com aspetos mais convencionais do tema. Acho que pode ser um pouco perigoso trabalhar apenas em temáticas marginais pela forma como se pode ser visto pelos colegas. No entanto, apesar de tudo, digo a todos os meus alunos que é fundamental identificar algo pelo qual se é apaixonado e segui-lo!

Isenção de responsabilidade: este post do blog foi traduzido e editado por voluntários. Os contribuidores não representam a MIND Foundation. Se notar algum erro ou inconsistência, por favor informe-nos – agradecemos qualquer sugestão que possa melhorar o nosso trabalho (mail to: [email protected]). Se deseja ajudar no processo de tradução, entre em contacto connosco para se juntar ao. MIND Blog Translation Group!

Referências:

  1. Jean-Roch Laurence:https://www.concordia.ca/artsci/psychology/faculty.html?fpid=jeanroch-laurence

  2. Wittmann M, Carter O, Hasler F, Cahn BR, Grimberg U, Spring P, et al. Effects of psilocybin on time perception and temporal control of behaviour in humans. J Psychopharmacol. 2007 Jan;21(1):50–64.

  3. Carhart-Harris RL, Friston KJ. REBUS and the Anarchic Brain: Toward a Unified Model of the Brain Action of Psychedelics. Barker EL, editor. Pharmacol Rev. 2019 Jul;71(3):316–44.

  4. Wackermann J, Wittmann M, Hasler F, Vollenweider FX. Effects of varied doses of psilocybin on time interval reproduction in human subjects. Neuroscience Letters. 2008 Apr;435(1):51–5.


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