Perspective
Consciousness Research Drug Science Neuroscience


Deixem As Trips Em Paz

A Argumentação Neurocientífica Contra As Substâncias Psicadélicas Não-Alucinogénicas

Traduzido por João Cardoso, editado por Laura Inês Pinto Ramos

Editado por Abigail Calder & Lucca Jaeckel

A questão de saber se a “viagem psicadélica” é verdadeiramente necessária para obter os benefícios terapêuticos das substâncias psicadélicas tornou-se um tópico de debate aceso. Este facto é bem ilustrado por duas recentes publicações opostas: uma do Dr. David B. Yaden e do Prof. Roland Griffiths,1 que defende a importância da experiência psicadélica, e outra do Dr. David Olson,2 que afirma que poderíamos (e talvez devêssemos) descartá-la. Este artigo apresenta argumentos baseados na neurociência sobre o porquê de não devermos ignorar a experiência humana.

Um artigo recente do laboratório do Dr. David Olson na Universidade da Califórnia, em Davis, agitou a comunidade de investigação psicadélica no final de 2020, descrevendo um derivado não-alucinogénico da droga psicadélica ibogaína, chamado Tabernanthalog (TBG).3 A ibogaína é conhecida por ter propriedades antidepressivas e anti-aditivas, contudo é restringida no seu uso por um perfil de segurança desfavorável que inclui náuseas, complicações cardíacas4 e uma duração que pode exceder as 24 horas.5 O TBG, por outro lado, demonstra manter os efeitos terapêuticos da ibogaína em ratos sem os riscos associados. Mais importante ainda, este composto chegou às manchetes de várias revistas científicas dadas as experiências com ratos sugerirem que carece de propriedades alucinogénicas. Embora alegadamente desprovido do fator “viagem psicadélica”, o TBG demonstrou aumentar a neuroplasticidade no córtex do rato, tal como a sua contraparte psicoativa ibogaína. A comparação dos efeitos da ibogaína com os do TBG pode permitir aos cientistas responder a uma questão controversa na investigação psicadélica: podem os benefícios terapêuticos ocorrer sem os efeitos subjetivos? Se os psicadélicos clássicos aumentam a neuroplasticidade e reduzem a inflamação ao nível de um efeito antidepressivo, será a viagem psicadélica mesmo necessária?

 

A NEUROBIOLOGIA DOS PSICADÉLICOSLIVRES DE VIAGEM PSICADÉLICA”

Psicoplastogénicos [do grego psykhé (alma, espírito), –plastós (modelado), e –gen (gerador)]: pequenas moléculas que produzem uma alteração mensurável na neuroplasticidade (e.g., alterações no crescimento neuronal, densidade da espinha dendrítica, número de sinapses, excitabilidade intrínseca, etc.) num curto período de tempo (normalmente 24-72 horas) após uma única administração e que podem levar a alterações relativamente duradouras no comportamento.6

Apesar de quase todos os psicoplastogénicos identificados (e.g., psilocibina, DMT, cetamina, escopolamina) serem psicoativos, esta propriedade não faz parte da sua definição. A razão para isto é que alguns cientistas acreditam agora que a neuroplasticidade pode ser rapidamente estimulada mesmo na ausência de uma experiência subjetiva, levando a um efeito antidepressivo.

Uma via particularmente eficaz para estimular a neuroplasticidade envolve o recetor de serotonina 2A (5-HT2AR),7 que também é necessário para os efeitos alucinogénicos das substâncias psicadélicas.8,9 Durante várias décadas, as drogas que estimulavam o 5-HT2AR eram consideradas como tendo um risco elevado de produzir alucinações, o que desencorajou seriamente o seu desenvolvimento. Contudo, os recentes progressos teóricos em farmacologia indicam que a neuroplasticidade e a experiência psicadélica poderão não fazer parte de um mesmo pacote.10 Para compreender isto, é preciso fazer uma ampliação do próprio neurónio e compreender um processo denominado seletividade funcional ou agonismo tendencioso (do inglês, biased agonism).

Figura 1: Potenciais mecanismos terapêuticos das substâncias psicadélicas (não-alucinogénicas) a nível celular. at the cellular level. No lado esquerdo, o efeito antidepressivo dos psicadélicos clássicos é alcançado tanto através dos efeitos psicoplastogénicos como dos subjetivos, utilizando diferentes vias de sinalização; no lado direito, o efeito antidepressivo de um psicoplastogénico não-alucinogénico só é alcançado através de um aumento da neuroplasticidade; este último composto é um agonista seletivo – ativa preferencialmente a via Gq/PLC, contornando – ou pelo menos reduzindo grandemente – os efeitos subjetivos.

Quando uma droga se liga a um recetor numa célula, são desencadeadas várias reações bioquímicas em cadeia (também chamadas vias de sinalização) dentro do neurónio.11 Cada uma destas reações tem um fim diferente; poderá tratar-se da produção de uma nova proteína ou uma mudança na atividade elétrica, que conduzem a alterações complexas tais como a modificação da comunicação entre diferentes áreas cerebrais e a produção de novas ligações entre neurónios. Quando um agonista seletivo se une a um recetor, ativa preferencialmente uma ou várias destas reações em detrimento das outras.10

No caso do recetor 5-HT2A, existem três importantes vias de sinalização dentro do neurónio: a Gq/PLC, a PLA2, e as vias arrestina beta.10,12 Embora os detalhes não sejam inteiramente claros, todos os efeitos cognitivos e neurobiológicos atribuídos à ativação do 5-HT2AR (desde alucinações visuais a neuroplasticidade) podem ser rastreados até uma ou várias destas vias de sinalização. Um agonista seletivo poderia ativar, digamos, a via Gq/PLC, sem afetar as outras duas. Num quadro ideal, os efeitos psicoplastogénicos surgem no final de uma via, enquanto os efeitos alucinogénicos se manifestam noutra. Alguns indícios sugerem que este pode ser realmente o caso: um artigo recente concluiu que a proteína arrestina beta 2 é necessária para os efeitos motores do tipo-psicadélico vistos em ratos (i.e., contrações da cabeça, marcha retrógrada, toques no nariz).13 Para complementar, foi previamente demonstrado que a neuroplasticidade está associada à via Gq/PLC,14,15 que também parece ter uma influência reduzida nos efeitos motores do tipo-psicadélico em ratos.16 Por último, a via Gq/PLC é também ativada por lisurida, um parente não-alucinogénico do LSD, sugerindo ainda que os efeitos subjetivos se encontram noutro lugar.17

TABERNANTHALOG: TRATAMENTO INOVADOR, MICRODOSE PATENTEADA OU NENHUM DOS DOIS?

Há algum consenso quanto ao facto de uma experiência psicadélica positiva poder proporcionar maiores benefícios terapêuticos, como revelado num debate animado entre Yaden e Olson, os dois investigadores que deram estrutura a esta linha de investigação. Apesar disto, os cientistas da indústria psicadélica têm procurado engendrar um composto que retenha algum do potencial terapêutico, mas que seja simultaneamente escalável, comercializável e administrável a pessoas que não passam no processo de rastreio para uma experiência psicadélica. O TBG parece ser um forte candidato a psicoplastogénico não-alucinogénico amplamente administrável. Mas será que está realmente à altura do entusiasmo gerado à sua volta?

Analisemos este composto um pouco mais em profundidade, começando pela sua característica mais notável: a ausência de propriedades alucinogénicas. A maioria dos estudos com animais sobre o potencial alucinogénico das substâncias psicadélicas baseia-se na reação de contração muscular da cabeça do rato. Isto é considerado o critério ouro na avaliação dos efeitos psicoativos dos psicadélicos clássicos em ratos, uma vez que vários estudos têm demonstrado uma correlação entre a forma como uma droga se liga ao 5-HT2AR, a intensidade das alucinações em humanos e a reação de contração muscular da cabeça.18,19,20 Contudo, para além do problema óbvio de que um movimento da cabeça está longe de ser uma janela para a experiência subjetiva de um rato (aliás, como é que é de todo ser um rato?), existem algumas limitações importantes que vale a pena mencionar.

No artigo acerca do TBG, é evidenciado que uma dose elevada de ibogaína também não produz um aumento estatisticamente significativo de contrações da cabeça, o que coincide com um estudo anterior.21 No entanto, a ibogaína é inegavelmente alucinogénica nos humanos.4 Além disso, o precursor de serotonina 5-HTP produz uma resposta robusta de contrações da cabeça em ratos,22,23 mantendo-se ao mesmo tempo psicologicamente inerte nos humanos. Isto significa que até que um ser humano ingira TBG, não pode haver afirmações definitivas sobre as propriedades alucinogénicas deste composto, nem se pode ainda postular a existência de um psicoplastogénico não-alucinogénico viável do ponto de vista terapêutico. O TBG não é a primeira tentativa neste sentido, uma vez que outros psicoplastogénicos propostos, estreitamente relacionados com a cetamina, provaram ser ou psicoativos (traxoprodil), ou ineficazes no tratamento da depressão humana (AZD6765, rapastinel).24

Por agora, partiremos do princípio de que este composto é de facto não alucinogénico no ser humano. Numa leitura atenta do artigo sobre o TBG,3 revela-se que a ativação máxima da via Gq/PLC (i.e., a via mais associada a neuroplasticidade do que a alucinações) do recetor 5-HT2A pelo TBG é quase metade da que se verifica com a ibogaína, o 5-MeO-DMT (outro alucinogénico potente) e a própria serotonina. Recordando o exemplo hipotético dado na secção acima, uma substância psicadélica não-alucinogénica ideal ativaria minimamente a via intracelular que conduz a uma experiência psicadélica, ao mesmo tempo que estimula fortemente a neuroplasticidade. Porém, o TBG pode ter ou não qualquer preferência por uma ou outra via do 5-HT2AR e, devido às suas propriedades intrínsecas, pode simplesmente não ser capaz de ativar nenhuma destas vias na mesma medida que a sua contraparte alucinogénica ibogaína. O que isto significaria realmente é que uma grande dose de TBG estimula frouxamente os receptores 5-HT2A de forma semelhante a uma microdose de DMT, que também demonstrou produzir alguns efeitos antidepressivos e ansiolíticos em ratos.25

O TBG pode ser uma molécula que venha a gerar biliões – está patenteada, pode tratar tanto a depressão como o vício, é sintetizada num só passo, e pode não levar as pessoas a alucinar, mesmo em doses mais altas (uma análise crítica mais aprofundada dos incentivos comerciais para tais compostos pode ser encontrada neste artigo no blogue da APRA). De um ponto de vista farmacológico, contudo, o TBG não parece ser muito diferente das soluções já existentes. E embora os autores do artigo acerca do TBG enfatizem uma mudança na perspetiva dos cuidados de saúde mental, passando da correção de “desequilíbrios químicos” para a correção de “circuitos danificados”,6 ainda não há uma única menção à experiência humana, fazendo parecer que este não é o tipo de mudança de paradigma que alguns profissionais pedem.26

NEUROPLASTICIDADE E A EXPERIÊNCIA

Agora que explorámos a neurobiologia dos psicoplastogénicos não-alucinogénicos, passemos ao ponto-chave da própria neuroplasticidade. A neuroplasticidade tornou-se recentemente uma palavra em voga na investigação psicadélica, com muitos pesquisadores a atribuírem-lhe os benefícios terapêuticos tanto dos novos (e.g., cetamina e psilocibina) como dos antidepressivos clássicos (inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como a fluoxetina).27 Mas será que um aumento da plasticidade pode, por si só, executar a tarefa de mudar a mente?

Em primeiro lugar, o que é mesmo a plasticidade? Em termos gerais, é a capacidade do cérebro de mudar a sua estrutura e funções através da atividade cerebral. Mais concretamente, neuroplasticidade é um termo abrangente que envolve vários processos dinâmicos que modificam a forma como os neurónios comunicam uns com os outros.28 Numa analogia de software – hardware do cérebro e da mente, a neuroplasticidade representaria os processos através dos quais o software (atividade cerebral) modifica o hardware (circuitos neuronais).29 Estes processos incluem a modificação da robustez das ligações existentes, a criação de novas ligações (através de ramos neuronais recém-criados chamados dendrites) e a eliminação de antigas.

Alguns acreditam que as pessoas desenvolvem depressão através de uma perda patológica de conexões, sobretudo no córtex pré-frontal,27,7 e que os psicoplastogénicos podem reparar ou reequilibrar estes circuitos.6 O que raramente é enfatizado neste discurso em particular é o facto de o cérebro ser um órgão profundamente organizado e hierárquico. Isto significa que cada ligação tem uma função e um significado precisos, e a plasticidade (tal como a própria atividade cerebral) não é um processo aleatório, mas sim uma sucessão de passos cuidadosamente orquestrada, na qual as ligações úteis são melhoradas e as obsoletas ou redundantes são atrofiadas. É importante notar que a utilidade destas ligações é avaliada localmente, através de princípios de homeostasia e atividade harmoniosa, e pode apenas estar fracamente correlacionada com bom humor, felicidade ou realização. É provável que a evolução tenha otimizado o nosso sistema nervoso para o funcionamento e sobrevivência, em vez de florescimento psicológico. É portanto improvável que o cérebro se sintonize com estes sentimentos positivos por si só, através de processos puramente celulares induzidos de uma forma não específica.

Então, o que é que os psicoplastogénicos restaurariam exatamente? A eliminação de ligações é tão crucial para o desenvolvimento e funcionamento do cérebro assim como a criação de novas ligações, o que significa que mais ligações não são necessariamente benéficas por si mesmas. O Dr. David Olson, chefe da equipa que cunhou o termo psicoplastogénico e descobriu o TBG, declarou que “os psicoplastogénicos mais úteis serão os capazes de promover a plasticidade de uma forma específica ao circuito. Promover a plasticidade indiscriminadamente não é suscetível de ser benéfico.”6 Logo, o que realmente importa é quais as ligações que se formam ou se perdem, e a persistência dessa mudança ao longo do tempo. Mesmo no artigo seminal escrito por Ly et al.7 (resumido neste artigo do MIND Blog), que potenciou toda a discussão acerca de neuroplasticidade e substâncias psicadélicas, não é claro por quanto tempo as novas ligações entre neurónios persistem, quanto mais o que elas significam.

De um modo genérico, a plasticidade acontece como consequência direta de uma atividade neuronal coerente, como exemplifica a famosa citação do neuropsicólogo Donald Hebb: “Neurónios que se ativam em conjunto, interligam-se”. As substâncias psicadélicas e a cetamina parecem incrementar este processo abrindo uma janela de oportunidade para a plasticidade, que é precedida de perto por um fluxo de pensamentos, emoções e imagens, seguindo por vezes um fio narrativo profundamente significativo do ponto de vista subjetivo.37

Em relação à viagem psicadélica, foi demonstrado que as trocas interpessoais, as experiências místicas e os insights pessoais estão correlacionados com a persistência dos efeitos terapêuticos em pacientes que a vivenciaram.1, 30, 31, 32 O que é interessante é que tanto a presença como a robustez de uma experiência do tipo místico – e não a intensidade geral da experiência subjetiva – se correlacionaram com os benefícios terapêuticos.1

A eficácia do MDMA no tratamento do transtorno de stress pós-traumático também depende fortemente não só do contexto, mas também das experiências que se seguem ao tratamento agudo. Isto aparenta ser verdade enquanto essa janela de oportunidade para a neuroplasticidade permanecer aberta – abrangendo pelo menos duas semanas, de acordo com um estudo.38 Como afirma a doutorada em medicina Gül Dölen, Professora Associada da Universidade Johns Hopkins e membro do Conselho Consultivo Científico da Fundação MIND, numa entrevista para o MIND Blog: “Qualquer droga ou qualquer manipulação que possa reabrir o período cr tem o potencial para esse efeito terapêutico. Mas, para além disso, o facto de ser dependente do setting (i.e., contexto) significa que o que a experiência psicadélica e o setting fazem é preparar o cérebro para que a memória certa e o circuito certo sejam reativados ou tornados passíveis de modificação neste estado de abertura.”  É indubitável que todas as experiências têm uma correlação não neurológica, um vestígio ou um “engrama”, no entanto, devido à complexidade da arquitetura cerebral, não existe tecnologia que possa identificar e alterar circuitos que estejam ligados a uma memória traumática específica ou a um comportamento nocivo. Parece que a única janela que temos para estes circuitos é através do ato de recordar.

Noutras palavras, estados alterados de consciência particulares (como os induzidos por substâncias psicadélicas, mas que potencialmente se estendem para além deles), os quais são desencadeados pelo problema terapêutico (ou pelo menos geralmente orientados para o mesmo), seriam os responsáveis pelo tipo benéfico e específico de plasticidade suscetível de durar e ser fortalecido. Contudo, sem essa experiência, os psicoplastogénicos podem apenas causar um aumento transitório nas ligações corticais indiscriminadas.

A TORCER PELA EXPERIÊNCIA HUMANA

O objetivo deste artigo não é menosprezar os esforços de muitos cientistas na procura de psicoplastogénicos não-alucinogénicos, mas sim dar alguma profundidade à argumentação que favorece a importância da experiência psicadélica de um ponto de vista neurobiológico. Porque é que isto é importante? O discurso neurocientífico tornou-se central em qualquer debate sobre saúde mental, mesmo em situações nas quais não sabemos exatamente com quais processos psicológicos estamos a lidar. Há uma tendência na psiquiatria para delinear doenças com fronteiras difusas e equipará-las a marcadores neurobiológicos que estão sujeitos a reparação. Esta tendência, alimentada por um sistema farmacêutico em que o desenvolvimento de medicamentos, as receitas médicas e o valor acionário estão inextricavelmente ligados, leva à proliferação de soluções simplistas e comercializáveis para problemas mal compreendidos.33

O advento da terapia com substâncias psicadélicas alimenta a esperança de uma reforma do modo como entendemos o cérebro, a mente e os seus vários desvios da norma. Apesar do entusiasmo exuberante de algumas partes, as substâncias psicadélicas não são a pílula milagrosa para a crise da saúde mental. Contudo, o seu ressurgimento atribuiu – quanto mais não seja – um lugar central à experiência humana, não apenas como uma medida de gravidade dos sintomas, mas também como um mediador de mudança.39 Reenquadrar as substâncias psicadélicas como psicoplastogénicos, passar o teor do debate de “corrigir desequilíbrios químicos” para “corrigir desequilíbrios nos circuitos”, e qualificar a experiência psicadélica como dispendiosa e não escalável passa totalmente ao lado desse ponto. Ninguém duvida do potencial transformador que o nascimento de um filho,  uma experiência culminante ou de pico (do inglês, peak experience),40 ou um contacto próximo com a morte pode ter na vida. Muitas pessoas comparam as suas experiências psicadélicas a todas as anteriormente referidas e classificam-nas mesmo entre as experiências mais significativas das suas vidas.34

É verdade que aqueles que se submetem à terapia psicadélica requerem cuidados e atenção especiais, e talvez seja mesmo isso o que é preciso. Encarar os cuidados como um custo a ser cortado já produziu um sistema de “cuidados geridos” (do inglês, “managed care”)41 no qual são receitados antidepressivos às pessoas sem consulta prévia com um especialista, resultando no tratamento inadequado de até um terço dos pacientes.33,35 Os pacientes que se submeteram a ambos os tipos de tratamento sublinham este sentimento: “[Os antidepressivos são] como tomar um analgésico para uma dor de dentes, não se chega à origem do problema”.36 Muitos associam a medicação com antidepressivos clássicos a uma forma de evitar a causa subjacente da sua depressão, exacerbando mesmo uma sensação de desconexão, que contrasta com a terapia psicadélica.36

Para aqueles que não atendem aos critérios de inclusão exigidos para a terapia psicadélica, os psicoplastogénicos não-alucinogénicos podem representar uma outra oportunidade, caso se verifique que existem e funcionam. Caso contrário, a microdosagem poderá também ser uma alternativa, se no futuro provar ser tão eficaz como um antidepressivo. No entanto, não parece claramente sustentável continuar simplesmente a receitar comprimidos e a lançar um grande número de doentes de volta ao mesmo ambiente em que desenvolveram inicialmente a sua depressão.

Existe o risco de que o mercado possa considerar as substâncias psicadélicas “livres de viagem psicadélica” como uma destilação grosseira mas satisfatória dos psicadélicos clássicos, e optar por não lidar com o fator “viagem psicadélica” devido às numerosas complexidades da sua implementação nos cuidados de saúde mental. O que parece ser agora o caminho para uma revolução na saúde mental poderá transformar-se numa hábil reformulação da identidade de tratamentos malsucedidos, à custa de pessoas que não conseguem recuperar uma noção de significado e conexão ao mundo e aos outros. Se as substâncias psicadélicas se tornassem psicoplastogénicos em terapia, a psiquiatria poderia mais uma vez fechar as suas portas à subjetividade humana, precisamente no momento em que esta regressa cuidadosamente ao seu lugar por direito. 

Isenção de responsabilidade: este post do blog foi traduzido e editado por voluntários. Os contribuidores não representam a MIND Foundation. Se notar algum erro ou inconsistência, por favor informe-nos – agradecemos qualquer sugestão que possa melhorar o nosso trabalho (mail to: [email protected]). Se deseja ajudar no processo de tradução, entre em contacto connosco para se juntar ao. MIND Blog Translation Group!

REFERÊNCIAS

  1. D. B. Yaden and R. R. Griffiths, “The subjective effects of psychedelics are necessary for their enduring therapeutic effects,” ACS Pharmacology & Translational Science, vol. 4, no. 2, pp. 568–572, 2021.

  2. D. E. Olson, “The subjective effects of psychedelics may not be necessary for their enduring therapeutic effects,”ACS Pharmacology & Translational Science, vol. 4, no. 2, pp. 563–567, 2021.

  3. P. Cameron, R. J. Tombari, J. Lu, A. J. Pell, Z. Q. Hurley, Y. Ehinger, M. V. Vargas, M. N. McCarroll, J. C. Taylor,D. Myers-Turnbull, T. Liu, B. Yaghoobi, L. J. Laskowski, E. I. Anderson, G. Zhang, J. Viswanathan, B. M. Brown, M. Tjia, L. E. Dunlap, Z. T. Rabow, O. Fiehn, H. Wulff, J. D. McCorvy, P. J. Lein, D. Kokel, D. Ron, J. Peters, Y. Zuo, and D. E. Olson, “A non-hallucinogenic psychedelic analogue with therapeutic potential,”Nature, vol. 589, no.7842, pp. 474–479, 2021.

  4. P. W. Litjens and T. M. Brunt, “How toxic is ibogaine?” Clinical Toxicology, vol. 54, no. 4, pp. 297–302, 2016.

  5. R. Alper, “Chapter 1 ibogaine: A review,” vol. 56 ofThe Alkaloids: Chemistry and Biology, pp. 1–38, Academic Press, 2001.

  6. D. E. Olson, “Psychoplastogens: A promising class of plasticity-promoting neurotherapeutics.,”Journal of Experimental Neuroscience, vol. 12, p. 1179069518800508, 2018.

  7. C. Ly, A. C. Greb, L. P. Cameron, J. M. Wong, E. V. Barragan, P. C. Wilson, K. F. Burbach, S. Soltanzadeh Zarandi,A. Sood, M. R. Paddy, C. Duim, M. Y. Dennis, A. K. McAllister, K. M. Ori-McKenney, J. A. Gray, and D. E. Olson, “Psychedelics promote structural and functional neural plasticity,”Cell Reports, vol. 23, pp. 3170–3182, Jun 2018.

  8. M. Kometer, A. Schmidt, L. Jäncke, and F. X. Vollenweider, “Activation of serotonin 2a receptors underlies the psilocybin-induced effects onαoscillations, n170 visual-evoked potentials, and visual hallucinations,”Journal of Neuroscience, vol. 33, no. 25, pp. 10544–10551, 2013.

  9. K. Preller, M. Herdener, T. Pokorny, A. Planzer, R. Kraehenmann, P. Stämpfli, E. Liechti, E. Seifritz, and F. X. Vollenweider, “The fabric of meaning and subjective effects in lsd-induced states depend on serotonin 2A receptor activation,” Current biology: CB, vol. 27, pp. 451–457, 2017.

  10. F. López-Giménezand, J. González-Maeso, “Hallucinogens and serotonin 5-HT(2A) receptor-mediated signaling pathways,”Current topics in behavioral neurosciences, vol. 36, pp. 45–73, 2018.

  11. B. Albert, A. Johnson, M. Raff, J. Lewis, K. Roberts, P. Walter, D. Bray, J. D. Watson,Molecular biology of the cell. Second edition. New York: Garland Pub., [1989], 2015.

  12. J. Masson, M. B. Emerit, M. Hamon, and M. Darmon, “Serotonergic signaling: multiple effectors and pleiotropic effects,”Wiley Interdisciplinary Reviews: Membrane Transport and Signaling, vol. 1, no. 6, pp. 685–713, 2012.

  13. R. M. Rodriguiz, V. Nadkarni, C. R. Means, Y.-T. Chiu, B. L. Roth, and C. Wetsel, “LSD’s effects are differentially modulated in arrestin knock-out mice,”bioRxiv, 2021.

  14. A. Barre, C. Berthoux, D. De Bundel, E. Valjent, J. Bockaert, P. Marin, and Bécamel, “Presynaptic serotonin 2A receptors modulate thalamocortical plasticity and associative learning,”Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 113, no. 10, pp. E1382–E1391, 2016.

  15. C. Berthoux, A. Barre, J.  Bockaert, P. Marin,andC. Bécamel,“Sustained Activation of Postsynaptic 5-HT2A Receptors Gates Plasticity at Prefrontal Cortex Synapses,”Cerebral Cortex, vol. 29, pp. 1659–1669, 2018.

  16. E. E. Garcia, R. L. Smith, and E. Sanders-Bush, “Role of G(q) protein in behavioral effects of the hallucinogenic drug 1-(2,5-dimethoxy-4-iodophenyl)- 2-aminopropane,”Neuropharmacology, vol. 52, pp. 1671–7, 2007.

  17. J. González-Maeso, N. V. Weisstaub, M. Zhou, P. Chan, L. Ivic, R. Ang, Lira, M. Bradley-Moore, Y. Ge, Q. Zhou, S. C. Sealfon, and J. A. Gingrich, “Hallucinogens recruit specific cortical5-HT(2A) receptor-mediated signaling pathways to affect behavior,”Neuron, 53, p. 439—452, 2007.

  18. A. L. Halberstadt and M. A. Geyer, “Characterization of the head-twitch response induced by hallucinogens in mice: detection of the behavior based on the dynamics of head movement,”Psychopharmacology, vol. 227, pp. 727–39, 2013.

  19. C. E. Canal and D. Morgan, “Head-twitch response in rodents induced by the hallucinogen 2,5-dimethoxy-4-iodoamphetamine: a comprehensive history, a re-evaluation of mechanisms, and its utility as a model,”Drug testing and analysis, vol. 4, pp. 556–76, 2012.

  20. A. L. Halberstadt and M. A. Geyer, “Multiple receptors contribute to the behavioral effects of indoleaminehallucinogens.,”Neuropharmacology, vol. 61, pp. 364–81, 2011.

  21. J. Gonzalez, J. P. Prieto, P. Rodrıguez, M. Cavelli,L. Benedetto, Mondino, M. Pazos, G. Seoane, I. Carrera, C. Scorza, and P. Torterolo, “Ibogaine acute administration in rats promotes wakefulness, long-lasting REM sleep suppression, and a distinctive motor profile,”Frontiers in pharmacology, 9, p. 374, 2018.

  22. J. Vetulani, B. Byrska, and K. Reichenberg, “Head twitches produced by serotonergic drugs and opiates after lesion of the mesostriatal serotonergic system of the rat,”Polish journal of pharmacology and pharmacy, vol. 31, pp. 413–23, 1979.

  23. N. A. Darmani, “Differential potentiation of l-tryptophan-induced headtwitch response in mice by cocaine and sertraline,”Life sciences, vol. 59, pp. 1109–19, 1996.

  24. D. J. Newport, L. L. Carpenter, W. M. McDonald, J. B. Potash, M. Tohen, and C. B. a. Nemeroff, “Ketamine and other NMDA antagonists: Early clinical trials and possible mechanisms in depression,”American Journal ofPsychiatry, vol. 172, no. 10, pp. 950–966, 2015.

  25. L. P.  Cameron, C.  J. Benson, B. C. DeFelice, O. Fiehn, and D. E. Olson, “Chronic, intermittent microdoses of the psychedelic N,N-dimethyltryptamine (DMT) produce positive effects on mood and anxiety in rodents,”ACS chemical neuroscience, vol. 10, pp. 3261–3270, 2019.

  26. D. J. Carlat, “Unhinged: The trouble with psychiatry–a doctor’s revelations about a profession in crisis,” 2010.

  27. P. R. Albert, “Adult neuroplasticity: A new “cure” for major depression?” Journal of psychiatry and neuroscience: JPN, vol. 44, p. 147—150, 2019.

  28. A. Citri and R. C. Malenka, “Synaptic plasticity: Multiple forms, functions, and mechanisms,”Neuropsychopharmacology, vol. 33, no. 1, pp. 18–41, 2008.

  29. D. Eagleman,Livewired: The Inside Story of the Ever-changing Brain. Pantheon Books, 2020.

  30. H. Kettner, F. E. Rosas,C. Timmermann, L. Kärtner, R. L. Carhart- Harris, and L. Roseman, “Psychedelic communitas: Intersubjective experience during psychedelic group sessions predicts enduring changes in psychological wellbeing and social connectedness,”Frontiers in Pharmacology, vol. 12, p. 234, 2021.

  31. L. Roseman, D. J. Nutt, and R. L. Carhart-Harris, “Quality of acute psychedelic experience predicts therapeuticefficacy of psilocybin for treatment-resistant depression,”Frontiers in Pharmacology, vol. 8, p. 974, 2018.

  32. V. R. Corey, V. D. Pisano, and J. H. Halpern, “Effects of 3,4- methylenedioxymethamphetamine on patient utterances in a psychotherapeutic setting,”The Journal of nervous and mental disease, vol. 204, pp.519–23, Jul 2016.

  33. N. Rose, “Neurochemical selves,”Society, vol. 41, no. 1, pp. 46–59, 2003.

  34. R. Griffiths, W. Richards, M. Johnson, U. McCann, and R. Jesse, “Mystical-type experiences occasioned by psilocybin mediate the attribution of personal meaning and spiritual significance 14 months later,”Journal of psychopharmacology (Oxford, England), vol. 22, pp. 621–32, 2008.

  35. A. J. Rush, M. H. Trivedi, S. R. Wisniewski, A. A. Nierenberg, J. W. Stewart, D. Warden, G. Niederehe, M. E. Thase,P. W. Lavori, B. D. Lebowitz, P. J. McGrath, J. F. Rosenbaum, H. A. Sackeim, D. J. Kupfer, J. Luther, and M. Fava, “Acute and longer-term outcomes in depressed outpatients requiring one or several treatment steps: a star*d report,”The American journal of psychiatry, vol. 163, pp. 1905–17, 2006.

  36. R. Watts, C. Day, J. Krzanowski, D. Nutt, and R. Carhart-Harris, “Patients’ accounts of increased ‘connectedness’ and ‘acceptance’ after psilocybin for treatment-resistant depression,”Journal of Humanistic Psychology, vol. 57, no. 5, pp. 520–564, 2017.

  37. N. R. P. W. Hutten, N. L. Mason, P. C. Dolder, E. L. Theunissen, F. Holze, M. E. Liechti, N. Varghese, A. Eckert, A. Feilding, J. G. Ramaekers, and K. P. C. Kuypers, “Low doses of LSD acutely increase BDNF blood plasma levels in healthy volunteers,”ACS Pharmacology & Translational Science, vol. 4, no. 2, pp. 461–466, 2021.

  38. R. Nardou, E. M.Lewis, R. Rothhaas, R. Xu, A. Yang, E. Boyden, G. Dölen, “Oxytocin-dependent reopening of a social reward learning critical period with MDMA,” Nature, 569, 116–120, 2019.

  39. M. Kaelen, M., B. Giribaldi, J. Raine, L. Evans., C. Timmerman, N. Rodriguez, L. Roseman, A. Feilding, D. Nutt, & R. L. Carhart-Harris. The hidden therapist: evidence for a central role of music in psychedelic therapy. Psychopharmacology, 235(2), 505-519, 2018

  40. A. H. Maslow. Religions, values, and peak-experiences. Columbus: Ohio State University Press, 1970

  41. Baker L. C. “Managed care spillover effects,” Annual review of public health, 24, 435–456, 2003.


Back