Essay
Arts & Social Implementation & Society


Are you experienced?

O aparecimento, desaparecimento E reaparecimento da “arte psicadélica”

Traduzido por João Cardosa, editado por Laura Inês Pinto Ramos

“MAIS DO QUE QUALQUER MOVIMENTO ARTÍSTICO DO NOSSO TEMPO, A ARTE PSICADÉLICA TEM UM FUTURO E POTENCIAIS QUE ESTÃO PARA ALÉM DO PODER DE IMAGINAÇÃO DE QUALQUER PESSOA. […] ESTAMOS A ASSISTIR APENAS AO ARRANQUE, MAS O PANORAMA JÁ É ESPECTACULAR”.4 O ÚNICO OBSTÁCULO PARECIA RESIDIR NA LEGISLAÇÃO.

Porque é que quase nunca ouvimos falar de arte psicadélica na história oficial da arte? Em 2005, o diretor do Tate Liverpool Christoph Grunenberg supôs que a arte psicadélica foi “expurgada” da história da arte, uma vez que não se encaixaria na linha de desenvolvimento do alto modernismo que vai do pop à arte minimalista e concetual. Assim, esta outra estética, exuberante, popular, mas menos pura, foi relegada aos domínios da arte aplicada, do mau gosto e da aberração estilística.1 Embora a negligência por si só, evidentemente, não demonstre a importância de um assunto, um breve olhar sobre a história “oficial” da arte psicadélica mostra algumas curiosidades que podem ajudar a explicar a sua relativa invisibilidade. Antes de mais, há as drogas. O ingrediente outrora determinante do uso de drogas psicadélicas parece ter sido desviado da vista para evitar controvérsia e substituir a rebelião contracultural por uma nostalgia inofensiva e um design histórico. O que aconteceu?
A arte psicadélica tem certamente raízes mais antigas, porém, quando a revista LIFE publicou em setembro de 1966 um artigo central dedicado à “LSD ART”, esta entrou subitamente em cena (fig. 1). O artigo cobriu uma exposição de um coletivo de artistas tentando “abalar a mente bombardeando os sentidos”, que a LIFE, de certa forma surpreendentemente, considerou um novo e sério desenvolvimento na arte.2 Outros media também começaram a assinalar festas multimédia da moda na sociedade boémia. No início de 1967, várias galerias de arte de renome juntaram-se ao cortejo apresentando pinturas e desenhos psicadélicos, embora chamando-lhes “visionários” para evitar uma ligação demasiado óbvia com as drogas que nessa altura se tinham tornado socialmente indesejáveis e até mesmo ilegais em partes dos EUA.

Fig. 1 Capa da revista LIFE, 9 de setembro de 1966, com um retrato do artista Richard Aldcroft da US Company (USCo) numa viagem psicadélica sem drogas (fotografia de Yale Joel).

A proibição também atingiu investigadores seriamente dedicados ao estudo do LSD. Compreensivelmente frustrados, dois deles, Robert Masters e Jean Houston, redirecionaram a sua atenção para a arte, provavelmente também numa tentativa de reabilitar as drogas nas quais acreditavam, proporcionando-lhes uma aura de respeitabilidade cultural. O seu colega Stanley Krippner recrutou a maioria dos autores que, no decurso de 1967, concordaram em ser artistas “cujas pinturas ou outras formas de expressão artística retratam os efeitos da experiência psicadélica, geralmente induzida quimicamente” e cujo trabalho pode ter sido produzido “como resultado da experiência psicadélica, durante a experiência psicadélica ou numa tentativa de induzir uma experiência psicadélica”.3

No início de 1968, Masters e Houston publicaram Psychedelic Art (fig. 2). Foi a primeira monografia que verdadeiramente delineou o tema, embora mais tarde tenha vindo a ser em grande medida ignorada. Incluía obras de cerca de 35 artistas contemporâneos, complementadas por arte mais antiga na qual os autores reconheciam uma “sensibilidade psicadélica”, arte que remontava ao final da era medieval de Hieronymus Bosch e não só – deste modo, seria proporcionado aos recém-chegados algo com pedigree respeitável e parcialmente livre de drogas.4 O livro ainda expira o lendário otimismo dos anos 60. Masters e Houston iniciam defensivamente ao afirmar que o uso de drogas é um fenómeno de todas as épocas e que nenhum dos artistas acreditava que as drogas conferissem a capacidade de criar arte: “A experiência psicadélica é experiência, não talento injetado ou inspiração ingerida, embora o artista possa inspirar-se em qualquer pensamento ou perceção, qualquer que seja a situação em que ocorra”.4

Fig. 2 Capa de Psychedelic Art, de Robert E.L. Masters e Jean Houston, Nova Iorque/Londres 1968.

Sem demora, o tom torna-se eufórico: “Mais do que qualquer movimento artístico do nosso tempo, a arte psicadélica tem um futuro e potenciais que vão para além do poder de imaginação de qualquer pessoa. […] Estamos a assistir apenas ao arranque, mas o panorama já é espectacular”.4 O único obstáculo parecia residir na legislação. Se isto não for invertido, pensaram Masters e Houston, “a arte psicadélica ou perecerá ou, mais provavelmente, retirar-se-á inteiramente para a clandestinidade”. Um destino, pensavam eles, totalmente imerecido para “uma arte quase totalmente livre da preocupação com a neurose, o feio e o sórdido – ou seja, com o homem no seu estado mais enfermo – que tanto satura a expressão artística do nosso tempo”.4

A Psychedelic Art é também notável, pelo menos entre os amantes de arte, pelos padrões de qualidade bastante invulgares que os seus autores empregavam. Aparentemente, o que mais lhes importava era se se poderia afirmar que uma obra demonstrava que o artista tinha ganho algum benefício terapêutico ou insight místico a partir da experiência psicadélica. Tendo tudo a ver com uma “viagem ao interior da própria psique”, esta experiência começa com um circo sensorial, preferivelmente seguido de uma descida a níveis que correspondem aproximadamente ao inconsciente pessoal de Freud e ao inconsciente coletivo de Jung, antes de alcançar a derradeira fase integral descrita pelos místicos desde tempos imemoriais.4

Neste sentido, a melhor arte psicadélica expressaria a ideia de que o universo é fundamentalmente correto e harmonioso, ou então – pelo menos assim estava implícito – que o artista aparentemente não mergulhou fundo o suficiente ou ficou retido algures. Assim, enquadrando também a arte psicadélica como o sucessor natural e mais maduro do surrealismo e do expressionismo abstrato, Masters e Houston proclamaram esta arte como sendo “dionisíaca, extática, energética”, “religiosa, mística: religião panteísta, Deus manifesto em todos, mas especialmente na energia primordial que faz mover os mundos, que impulsiona o fluxo existencial, […] procurando prevalecer por meio de um ímpeto de puro júbilo. Nascimento e renascimento, crescimento e renovação. O ser treme numa unicidade extática consigo mesmo”.4 Um dos artistas que tinham aqui em mente era Isaac Abrams, claramente um dos seus favoritos, e o único nome que ainda surge consistentemente neste contexto (fig. 3).

Fig. 3 Isaac Abrams, Cosmic Orchid, 1967, óleo sobre tela, 188 x 153 cm, coleção privada, tal como reproduzido em Masters e Houston, Psychedelic Art, 1968.

A Psychedelic Art foi bastante bem recebida aquando da sua publicação. Os críticos ficaram de um modo geral satisfeitos com este primeiro levantamento de uma nova forma de arte, mas também consideraram que era demasiado cedo para avaliar os seus méritos. Ninguém lamentou as referências apologéticas a drogas ilegais ou a publicidade que lhes foi dada.5 No entanto, o interesse desapareceu tão rapidamente que uma arte que surgiu em 1966 e foi distinguida com uma monografia em 1968 já parecia fora de moda, senão mesmo tabu, em 1970. Seja qual for a causa do declínio do otimismo psicadélico, parece que durante e depois de 1968 tanto artistas como críticos de arte, donos de galerias, curadores, e afins, apreenderam que o rótulo “psicadélico” comprometia em vez de promover a sua reputação e carreira.6

As pressões legais e sociais deram origem à autocensura, mas outras possíveis causas devem também ser mencionadas. Por um lado, a arte psicadélica nunca produziu um verdadeiro mestre que atraísse grande atenção ou que arrastasse outros consigo para um -ismo. Por outro, tendeu a favorecer a sensualidade em detrimento do conteúdo, da profundidade do sentimento, e da inteligibilidade. A sua exuberância decorativa depressa se revelou monótona; o seu exotismo tão aborrecido como as fotografias das férias dos vizinhos. Na sua contribuição para a Psychedelic Art, o crítico de arte Barry Schwartz queixou-se de que a maioria dos artistas psicadélicos parecia regressar da sua experiência apenas para dizer: “Olha, olha para o que vi”.12 O resultado líquido desta atitude, disse troçando, foi que a arte psicadélica tendia à doutrina visual, análoga ao “realismo social que tenta retratar artisticamente a luta de classes”.7 “O meio era a maior parte da mensagem”, concluiu Thomas Albright, um outro crítico, em 1985.8

De facto, os famosos cartazes de concertos produzidos em São Francisco e noutros locais não podem ser considerados como arte psicadélica, pelo menos não de acordo com os critérios da Psychedelic Art. Schwartz falou depreciativamente de “apenas a moda de pintar objetos no mundo num estilo que está associado à experiência psicadélica. É arte de póster no verdadeiro sentido: «Vejam-nos, nós somos os psicadélicos»”.7 Uma vez que o principal objetivo dos cartazes era publicitar os próximos eventos de interesse para a comunidade psicadélica, e tendo isto sido feito propositadamente numa linguagem visual que sinalizava “diferença” tanto para os do meio (i.e., insiders) como para os de fora (i.e., outsiders), parece de facto razoável não falar de arte psicadélica em si mesma, mas sim de arte da comunidade psicadélica.

Se de todo isso: o estilo do cartaz foi rapidamente apropriado (ou “cooptado”, como se dizia na altura) por outras entidades. “Chamem-lhe psicadélico e venderá rapidamente, dizem alguns mercadores”, citado por Masters e Houston de um título de primeira página do Wall Street Journal em 1967.4 Durante algum tempo, parecia que qualquer coisa podia ser vendida chamando-a de “psicadélico” ou “estonteante”, e cobrindo-a com padrões coloridos ondulados – mesmo Republicanos (fig. 4).9 “A verdadeira revolução dos anos 60”, concluiu Albright, “foi a transformação de praticamente tudo – incluindo a própria noção de «revolução» – numa mercadoria comercializável”.8 Razão suficiente para os artistas abandonarem um estilo que fazia com que o psicadelismo parecesse uma moda banal e comercialmente corrompida de neo-Art Nouveau temperada com cores saturadas e efeitos de arte ótica (do inglês, Optical Art).

Fig. 4 Jim Trelease, Rocky is My Man in ’68, composição para um cartaz eleitoral da campanha presidencial de 1968, 60 x 89 cm, coleção privada.

E assim a arte psicadélica desapareceu rapidamente de vista. Estimulado pela Psychedelic Art, Harvard Arnason dedicou alguns parágrafos ao assunto na última página da sua História da Arte Moderna de 1969, mas apagou-os nas edições posteriores.10 Além disto, o livro de Masters e Houston parece ter-se tornado invisível. Mesmo o enorme Dicionário de Arte de 1996, com 34 volumes, passou ao lado do único livro sobre o assunto numa entrada bastante depreciativa.11 E em 2005, quando Grunenberg tentou dar a esta “arte sem história”, como ele lhe chamou, um retorno triunfante com a sua exposição Summer of Love: Art of the Psychedelic Era, esta qualificação permitiu-lhe incluir cartazes e design e colocar de lado o foco nas drogas. De facto, o livro de Masters e Houston foi comodamente ignorado, reduzido a uma nota de rodapé como fonte de informação acerca de Abrams.1

A seu favor, Grunenberg quebrou décadas de silêncio ensurdecedor. Porém, ao falar da “arte da era psicadélica”, pôs de lado com demasiada facilidade grande parte do choque entre a contracultura e a cultura mainstream, entre a arte psicadélica e a sua descendência popular. Além disso, para além do espetáculo de luz obrigatório (excluindo a música rock ensurdecedora e o público enlouquecido), exposições como a de Grunenberg quase por necessidade concentram-se mais em sobras de material, parafernália, recordações e marketing colateral do que em bombardeamentos sensoriais, tentativas de “abalar a mente” e muitos outros acontecimentos efémeros que fundem altos e baixos, vida e arte, igualmente apresentados como a conquista mais importante do psicadelismo.8 Como evitar a sensação de caminhar por uma sala de curiosidades que comemoram uma tendência apressada no estilo de vida e um design esquisito? Esta pode ser a questão aqui.

A falta de definição também perturbou outras iniciativas. Em 2010, por exemplo, David Rubin organizou uma exposição intitulada Psychedelic: Optical and Visionary Art since the 1960s. Esta centrava-se em todos os tipos de artes incitando a “uma maior consciência do mundo interior da perceção”, utilizando efeitos óticos e “vocabulário estético psicadélico” como um “vernáculo polivalente”.12 Dos 74 artistas incluídos, contudo, talvez apenas seis (incluindo Abrams) se qualificariam como artistas psicadélicos de acordo com os critérios de Masters e Houston, cujo livro nem sequer foi mencionado numa nota de rodapé.

Nem tão-pouco foi mencionado por Ken Johnson na sua obra Are You Experienced? How Psychedelic Consciousness Transformed Modern Art de 2011, apesar de quase citar Masters e Houston ao falar de uma arte que “procura representar, expressar ou induzir” uma experiência psicadélica.13 Johnson colocou bastantes questões interessantes, mas como não pretendia um compêndio de “arte psicadélica” mas sim um novo e “psicadélico modo de ver a arte”, inflacionou o termo a tal ponto que abarcou quase toda a arte que critica, duvida, reflete, ou faz piadas sobre algo, ou simplesmente parece estranha ou trippy quando se está sob a influência. De facto, para Johnson, “psicadélico” tornou-se mais ou menos sinónimo de “pós-moderno”, essa mudança epocal de perspetiva que ele atribuiu exclusivamente ao “big-bang” do psicadelismo.13

Todavia, Johnson, pelo menos, não reduziu o psicadelismo a um estilo, seja na arte ou no design. A diversidade estilística caracterizou também a arte no livro de Masters e Houston, e de facto, na sua definição, a arte psicadélica não pode ser reconhecida por características externas comuns. Independentemente do que se possa pensar da sua curiosa parcialidade na apreciação de arte, o seu livro forneceu uma definição clara, bem pensada e útil da arte psicadélica. “Historicamente, uma forma de arte deriva a sua identidade da obra criada e não da biografia do artista”, explicou Schwartz, mas neste caso, “é manifestamente impossível produzir arte psicadélica sem se ter tido uma experiência da consciência que é a sua fonte”.7 Sem denotação, resta apenas uma grande variedade de conotações. Recordemos que, originalmente, a questão fundamental não era a aparência, mas sim: Are you experienced? (“Já passaste pela experiência?”).

Isenção de responsabilidade: este post do blog foi traduzido e editado por voluntários. Os contribuidores não representam a MIND Foundation. Se notar algum erro ou inconsistência, por favor informe-nos – agradecemos qualquer sugestão que possa melhorar o nosso trabalho (mail to: [email protected]). Se deseja ajudar no processo de tradução, entre em contacto connosco para se juntar ao. MIND Blog Translation Group!

Referências:

  1. Grunenberg C. The Politics of Ecstasy. In: Summer of Love: Art of the Psychedelic Era. Liverpool (Tate Liverpool)/Frankfurt (Schirn Kunsthalle)/Vienna (Kunsthalle) 2005-2006, p. 13.

  2. Psychedelic Art. Life. 1966 Sep 9;61(11):60–9.

  3. Krippner S. The Psychedelic Artist. In: Psychedelic Art. New York: Grove Press; 1968. p. 164.

  4. Masters REL, Houston J. Psychedelic Art. New York: Grove Press; 1968.

  5. ten Berge JP. Drugs in de kunst: Van opium tot LSD, 1798-1968. 2004.

  6. As it still did in 1967. In fact, at least one of the artists inPsychedelic Artlater confessed that he didn’t qualify, but just grabbed the chance to have his work published (interview with Lex de Bruijn, Amsterdam, 14 June 1995).

  7. Schwartz BN. Context, Value & Direction. In: Psychedelic Art. New York: Grove Press; 1968. p. 153.

  8. Albright T. Art in the San Francisco Bay area, 1945-1980: an illustrated history. Berkeley, Calif: University of California Press; 1985. 349 p.

  9. Yanker G. Prop art: over 1000 contemporary political posters. New York: Darien House; distributed by New York Graphic Society, Greenwich, Conn; 1972. 256 p.

  10. Arnason HH. History of Modern Art New York: Abrams; 1969.

  11. Sokol DM. Psychedelic Art. In: Turner J, editor. The dictionary of art. New York: Grove; 1996. p. 681.

  12. Rubin DS. Stimuli for a New Millenium. In: Psychedelic: optical and visionary art since the 1960s. San Antonio, TX; Cambridge, Mass: San Antonio Museum of Art; In association with the MIT Press; 2010. p. 28.

  13. Johnson K. Are you experienced? how psychedelic consciousness transformed modern art. Munich, New York: Prestel Verlag; Prestel Publishing; 2011. 232 p.


Back