NÃO NO TERCEIRO OLHO
QUAL É A ACÇÃO DO DMT NO CÉREBRO?
Traduzido por João Cardoso, editado por Pedro Sousa Martins
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Existe DMT no cérebro? O que estará lá a fazer? Estas questões têm ocupado a mente dos investigadores de substâncias psicadélicas há décadas, e responder-lhes nunca seria uma tarefa simples. A investigação mais recente vai para além das tentativas de comprovar ideais poéticos acerca da libertação de DMT pela glândula pineal durante experiências dequase . Através da observação de neurónios isolados, a investigação indica que o DMT pode desempenhar um papel de neurotransmissor atípico, estando envolvido na protecção do cérebro contra o stress físico e psicológico. Da investigação emerge um tópico que actualiza a questão original: e se o DMT for, por natureza, neuroprotector?
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Os neurotransmissores são pequenas moléculas secretadas no sistema nervoso para transmitir informação entre diferentes neurónios. Muitos deles — serotonina, dopamina e adrenalina, para referir apenas alguns — são classificados quimicamente como monoaminas. A substância psicadélica de ocorrência natural mais potente, N,N-dimetiltriptamina (DMT), pertence a esta mesma classe de moléculas. O DMT pode ser encontrado em quantidades residuais no sistema nervoso de certos animais (incluindo mamíferos), embora não tenha sido directamente comprovado que actue como um neurotransmissor endógeno.1 É mais comum e bem compreendido nas plantas, onde contribui para a defesa de algumas espécies contra animais herbívoros.2
Os seres humanos têm vindo a extrair DMT das plantas desde há vários séculos. Este não tem acção pela via oral dada a presença de monoamina oxidase (MAO), uma enzima que decompõe o DMT, ao longo do tracto digestivo humano. Os xamãs da Amazónia sabem, no entanto, como contornar esta situação há séculos, juntando uma vide contendo DMT a plantas que contêm IMAO, ou Inibidores da Monoamina Oxidase, que impedem a desagregação do DMT. Desta mistura resulta a infusão psicadélica conhecida como ayahuasca, de aya (espírito) e waska (videira).3
A ayahuasca está indissociavelmente interligada à génese da mitologia e à espiritualidade das tribos indígenas sul-americanas. De modo análogo, assim que ganhou a atenção do mundo ocidental, o DMT facilmente encontrou o seu lugar no seio da literatura e da filosofia. As suas propriedades biológicas têm também intrigado os cientistas desde a sua primeira sintetização em 1931. Dada a semelhança partilhada entre DMT e serotonina, a tentação foi levantar a hipótese de que poderia ocorrer naturalmente como neurotransmissor no corpo humano. Onde se poderia localizar tal neurotransmissor tão peculiar? A conjectura mais aceite, derivada de conceitos tanto científicos como mitológicos, coloca-o na glândula pineal.
O papel principal da glândula pineal é regular os padrões do sono através da produção de melatonina. Porém, a história desta estrutura do tamanho de uma ervilha localizada na região frontal do encéfalo é bem mais poética. No antigo Egipto, representava o olho do deus do céu Hórus; na Índia foi associada ao “terceiro olho”, uma entrada mítica para a consciência superior. Uma versão moderna destas narrativas surge no livro DMT: A Molécula do Espírito, do autor e psiquiatra Rick Strassman, no qual postula que grandes quantidades de DMT poderão ser secretadas no cérebro moribundo, o que permite a transição da consciência de uma vida para a seguinte.4
Desde o advento da teoria de Strassman, a presença e a finalidade do DMT na glândula pineal têm sido temas para debate aceso. Embora até agora ainda não tenha sido directamente identificado no cérebro humano, os ensaios conduzidos tanto em humanos como em ratos demonstram que os seus cérebros – incluindo a glândula pineal – contêm enzimas necessárias para a sintetização de DMT.1
O potencial envolvimento do DMT em experiências de quase-morte é de difícil prova ou refutação em humanos, mas já se registam tentativas levadas a cabo em ratos. A investigação tem demonstrado que os cérebros de ratos contêm DMT e que a sua concentração aumenta após uma paragem cardíaca induzida.1,5 Poderá isto significar que estes ratos de laboratório passaram por uma experiência de quase-morte? Será esta experiência mediada pelo DMT, ou será o DMT apenas um produto metabólico residual de um organismo em situação de tensão?
Os resultados experimentais oferecem apenas uma compreensão limitada. Na melhor das hipóteses, o DMT poderá ser apenas um componente do verificável turbilhão de neurotransmissores (incluindo serotonina, dopamina e noradrenalina) que é libertado em resposta à tensão associada a uma paragem cardiorrespiratória.1 Além disso, embora a concentração de DMT aumente, não foi possível determinar se este aumento correspondeu a uma dose de substância psicadélica exógena. Enquanto alguns investigadores acreditam que este seja o caso, outros salientam que se desconhece de que modo baixas quantidades fisiológicas de DMT endógeno poderão ser armazenadas para posteriormente serem libertadas em massa,6 e qual a reacção biológica que tal libertação desencadearia. O conhecimento científico actual carece da prova fulcral necessária para implicar directamente o DMT nas experiências de quase-morte: um mecanismo bioquímico bem definido.
As soluções de aplicação universal são raras em biologia. Tanto os neurotransmissores como os compostos psicadélicos actuam sobre múltiplas regiões do cérebro, interagem com diferentes receptores com especificidade variável, e desencadeiam um amplo espectro de cascatas de sinalização bioquímica e genética. O DMT não é diferente, e embora originalmente se tenha considerado que exercia os seus efeitos principalmente através dos receptores de serotonina 2A, novos alvos para a sua actuação foram encontrados. Um destes , o receptor sigma-1 (Sig1R), não será a solução para o enigma do DMT. Contudo, apresenta-nos várias perspectivas intrigantes.
O Sig1R é invulgar. As suas origens são um mistério: em termos evolutivos está mais intimamente relacionado com uma enzima fúngica chamada esterol isomerase do que com qualquer receptor de neurotransmissores nos mamíferos.7 Os cientistas têm dúvidas sobre como interpretar esta descoberta, especialmente considerando o facto de que esta particular enzima fúngica foi primeiramente isolada a partir de um fungo que produz alcalóides semelhantes ao LSD .
Enquanto muitos receptores são especializados na propagação de sinais neurotransmissores ou na membrana celular, ou no interior da célula, ou no núcleo, o Sig1R é excepcional porque pode desempenhar a função nos três locais. Na membrana, pode interagir com outros receptores e alterar a sua função através da formação de complexos. Quando está no interior da célula, aglutina proteínas de choque térmico, auxiliando-asno desempenho das suas funções.8 No núcleo, recruta outras proteínas que se ligam ao ADN, activando ou desactivndo diferentes genes através de mecanismos epigenéticos.9
Este receptor multifuncional é conhecido como sendo um “órfão”, o que significa que os cientistas ainda não identificaram o seu principal neurotransmissor de activação. Foi inicialmente sugerido que o Sig1R poderia pertencer a umsubtipo de receptores opióides, embora mais tarde se tenha descoberto que outros compostos também se ligam a ele, incluindo a cocaína e a hormona sexual progesterona.10 Mais recentemente,crescente evidência tem levado a especulações quanto à possibilidade do o DMT poder activar este receptor.
A primeira indicação de que este poderia ser o caso veio de investigação em culturas de células, onde foi demonstrado que o DMT pode ligar-se ao Sig1R. A investigação com ratos ampliou esta descoberta, demonstrando que o comportamento do rato sob a influência de DMT não muda quando os recetores de serotonina e dopamina são bloqueados. No entanto, após o receptor Sig1R ter sido desactivado, os ratos deixaram de reagir ao DMT. Estes resultados levaram os investigadores a concluir que o Sig1R é um dos principais alvos do DMT.11 Outro indício surge do facto de que nas sinapses que conectam diferentes neurónios, o Sig1R está localizado perto de uma enzima envolvida na sintetização do DMT.12 Isto levou alguns investigadores a questionarem-se se o Sig1R, em vez do 5HT-2A, será o principal mediador dos efeitos psicadélicos do DMT.
O que acontece na célula quando o DMT activa o Sig1R? Algumas das respostas a esta pergunta provêm da investigação com recurso a culturas de células. Estudos recentes revelaram um papel do DMT tanto na resposta imunitária como na resposta ao stress das células humanas. Nas células imunitárias, foi demonstrado que o DMT activa a produção de moléculas anti-inflamatórias.13
Num estudo semelhante, neurónios humanos em cultura de células foram privados de oxigénio. Os neurónios pereceram rapidamente quando não dispunham de oxigénio suficiente, mas o tratamento com DMT e subsequente activação de Sig1R permitiu que uma proporção maior deles sobrevivesse.14 Esta descoberta leva-nos de volta a Rick Strassman: se o DMT ajuda as células em estado de tensão, poderá também ajudar organismos inteiros em estados de tensão – quando próximos da morte e gravemente privados de oxigénio? Embora a especulação seja tentadora, é importante ter em mente que os neurónios no cérebro funcionam de uma forma complexa e dependente do contexto. A observação de neurónios individuais em cultura mostra aos cientistas o que está a acontecer no seu interior, mas diz pouco acerca de como interagem uns com os outros num cérebro vivo e tridimensional.
De momento, este elo ainda não foi encontrado. Os investigadores não testaram a actividade do Sig1R em cérebros intactos submetidos a estado de hipóxia ou outros tipos de tensão fisiológica. Num cérebro moribundo, o DMT poderá ajudar os neurónios a sobreviver – mas a sobrevivência por si só não nos diz o que esses neurónios estão a fazer ou como a sua actividade pode criar as visões características das experiências de quase-morte. Não havendo provas directas, podemos recolher algumas pistas a partir de estudos de neuroimagiologia e tentar ligá-las aos mecanismos conhecidos do Sig1R.
Examinando os cérebros humanos sob DMT e ayahuasca, os investigadores observam actividade alterada tanto nos centros visuais e auditivos como nas regiões relacionadas com a memória. Estas incluem os centros de percepção e processamento de emoções negativas e memórias infelizes, centros de evocação e a amígdala (uma região cerebral normalmente associada ao processamento de informação emocional e social, incluindo o medo, ansiedade e agressividade).15,16
Dr. Antonio Inserra, um investigador da Universidade de Flinders em Adelaide, Austrália, tentou conciliar as perspectivas molecular e do cérebro como um todo e formulou uma interessante hipótese acerca dos papéis que o Sig1R poderia desempenhar nestas actividades cerebrais.7 A sua análise centra-se especificamente no papel do DMT no processamento de traumas, um fenómeno que despertou o seu interesse devido a relatos informais de pacientes com perturbação de stress pós-traumático, cujos sintomas diminuíram após a realização de sessões de ayahuasca. A sua análise aponta para a possibilidade de que o Sig1R poderia formar complexos com outros receptores e impulsionar a transmissão de sinais e a plasticidade sináptica nos centros de memória, o que poderia ajudar a evocar e reprocessar memórias traumáticas. Salienta ainda que o Sig1R no núcleo actua como um regulador epigenético,9 o que significa que recruta enzimas que acrescentam diferentes marcações ao ADN e histonas (as proteínas em torno das quais o ADN está envolto na célula) a fim de activar e desactivar genes. Há muito que se entende que os mecanismos epigenéticos desempenham um papel importante em todos os aspectos da formação e remodelação da memória. Em virtude disto, Inserra sugere que alguns dos mecanismos através dos quais a ayahuasca trata o trauma podem ser mediados pela epigenética dos receptores Sig1R nos centros de memória do cérebro.
DE VOLTA À AMAZÓNIA: SERÁ QUE DA NOVA INVESTIGAÇÃO OBTEREMOS O ELO DE LIGAÇÃO?
Um estudo recente de autoria do Dr. Simon Ruffell, investigador associado do King’s College em Londres relaciona igualmente DMT, Sig1R, e regulação epigenética. A sua equipa, supervisionada pela Prof. Celia Morgan, da Universidade de Exeter no Reino Unido, acompanhou participantes em cerimónias de ayahuasca na Amazónia com o intuito de investigar como estas experiências afectaram as suas memórias traumáticas. Os participantes relataram diminuição significativa e duradoura em depressão, ansiedade e angústia global. A fim de descobrir a razão para tal, a equipa de Ruffell recolheu amostras de saliva e analisou as alterações nas marcações epigenéticas do seu ADN. Descobriram que o gene Sig1R mudou epigeneticamente em alguns participantes – resultados não publicados apresentados na ICPR2020 (conferência interdisciplinar da pesquisa de substâncias psicadélicas). Uma vez que sabemos que o próprio receptor está envolvido na modulação epigenética, isto poderá representar apenas um início. Que outros genes modificados epigeneticamente podemos observar após sessões de ayahuasca? A pesquisa epigenética de Ruffell pode vir a oferecer mais indícios não só sobre como o DMT se relaciona com o Sig1R a nível epigenético, mas também sobre a epigenética da memória propriamente dita. Independentemente de outros resultados que venham a ser retirados deste estudo, este constitui já um importante elo de ligação entre o laboratório e o rito; entre a célula, o cérebro, e a experiência.
O estado actual da investigação do DMT assemelha-se a peças de puzzle dispersas. Embora existam vários indicadores de que o DMT pode ocorrer naturalmente no cérebro humano, as suas localizações e funções permanecem indefinidas. Há mais dados disponíveis sobre como funciona a ayahuasca e o DMT de origem externa, tanto na célula como no cérebro, mas ainda não conseguimos justificar a extensão das funções do DMT endógeno a partir destas descobertas.
No entanto, uma variedade de teorias especulativas tem emergido recentemente. Enquanto alguns investigadores se debruçam sobre as potenciais funções anti-inflamatórias e neuroprotectoras do DMT, outros focam-se na neuroimagem e estudos de trauma e apontam para os seus possíveis efeitos na remodelação da memória. Ambos podem estar correctos e ambos podem ser enquadrados no contexto da teoria de Rick Strassman segundo a qual o DMT está presente no cérebro humano para aliviar os efeitos de stress fisiológico intenso, tal como nos neurónios privados de oxigénio durante experiências de quase-morte. Poderá o cérebro moribundo estar a libertar DMT endógeno para sobreviver durante o maior período de tempo possível? Em caso afirmativo, as características das experiências de quase-morte geralmente relatadas – incluindo visões e a “vida a passar diante dos olhos” – podem ser simplesmente efeitos secundários. No caso da sobrevivência de neurónios e do processamento de memória, a investigação aponta, até ao momento, para o misterioso e multifacetado receptor Sig1R como um agente central nestes processos.
Embora os meandros dos seus mecanismos moleculares ainda não tenham sido completamente explicados, é actualmente aceite que o multifacetado receptor Sig1 seja um alvo do DMT, o que abre novas vias de investigação. Talvez as mais interessantes investigações recentes venham a incluir pesquisa acerca de como o DMT e o Sig1R
afectam a modulação epigenética. Dados acerca de quais os genes que são activados ou desactivados poderiam fazer com que os resultados da investigação em culturas de células se enquadrem no contexto de organismos inteiros. Os mecanismos epigenéticos estão justamente na base das nossas interacções dinâmicas com o mundo e com as nossas próprias mentes. Compreender como estes mecanismos ajudam a armazenar e remodelar memórias pode ajudar-nos a formular um modelo biológico coerente dos efeitos terapêuticos da experiência psicadélica.
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